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Uma conquista pela lentidão

 

 

Ângela Mendes Ferreira

Curadora Diretora dos Encontros da Imagem | Braga | Portugal [www.encontrosdaimagem.com]

 

 

 

Sempre que escrevemos sobre fotografia temos a [quase] impossivel missão em transformá-las em palavras e fazer o silêncio vibrar. Grande parte do discurso fotográfico contemporãneo transformou-se num abismo para se ver o que há na fotografia e muitos autores repetem ad finitum o que consideram uma «fadiga da imagem», parando simplesmente de olhar. Ora, urge ver o ato fotográfico não como um gesto abstrato de distanciamento e transcendência, mas como maneira de atuar na vida, produzir variabilidades, fissuras, gerar deslocamentos.

O trabalho de Díaz Trigo, vencedor da primeiríssima edição do Prémio Galícia, o qual tenho o orgulho de descrever, está repleto de uma lentidão, que há muito nos havíamos esquecido.

Daniel Díaz Trigo dá o mote a um prémio de prestígio, conquistando desta forma um território seguro, que deixa adivinhar a nobreza de uma marca brilhante na história do Festival de Outono.

Um bem-haja ao Festival que luta pelo enriquecimento das Artes Visuais e na forma consolidada com que tem contribuído para divulgação dos criadores de mérito no meio fotografico e merecedores de um impulso para o fortalecimento do seu trabalho.

POSESIÓNS PARA UN ESQUECIMENTO paira num interessante equilibrio entre a tentativa de referenciar o real, tão inato ao nascimento da fotografia, com a plasticidade e conceptualização que o meio fotográfico atingiu no âmbito das artes visuais.

Ao longo dos vários capítulos, o autor deambula pela história recente de um território, através da qual se podem seguir os fatos históricos que sofreu Europa no século passado, revelando de forma íntima a sua história familiar.

O arquivo de Díaz Trigo é o guardião da incompletude dos sonhos à espera do desejo de retorno. Imagens recuperáveis, fragmentos de vida que descansam, esperam que o inconformismo com o passado transforme o que é incompleto numa unidade de caminhos possiveis.

Neste projeto existe uma forte tendência para a representação da paisagem e dos espaços que o autor revela em capítulos, em forma de crónica: o campo, a colonização, as torres do Arneiro e o manicómio, são temas que perscrutam um momento de viragem poética e estética da fotografia. Por isso, é considerado um portfolio de destaque, de um autor visionário na forma de ver, lenta e desejada.

Numa época em que se alcançou uma enorme euforia na fabricação da imagem nunca antes conhecida, o projeto de Daniel Días Trigo é um despertar para o ver, mas tem um dimensão que cabe muito pouco no domínio do visível, antes do sensível, a preencher-se pelo sublime toque da passagem do tempo, e da sua eternidade.

Neste género da Fotografia, o espetador mais atento apercebe-se não apenas da presença da realidade fotografada, mas sobretudo da presença da própria fotografia, que é o principal artefato de constituição do real.

O discurso íntimo de Daniel Días Trigo passa pelas representações da paisagem afetiva, cujas imagens procuram enfatizar a essência única da memória, através de uma estética construída e de forte conteúdo expresivo das fotomontagens panorámicas o que requer uma leitura lenta e atenta.

Ofuscadas pela nostalgia e de fragmentos de imagens oníricas e literárias, o projeto provoca uma estranheza inesperada impondo um atrativo dramatismo idílico de documentação ficcionada, envolta num atual manto sócio-cultural que espelham a história do território.

Nesta mostra sentimos o redimensionar do tempo tornado em memória. Nos intervalos, o autor corre o mundo para ali se achar nas mais longas revelações. Tanto do que ali vive vale pelo que sente e pelo que nos faz sentir.

Ter uma terra é isso: é ter um lugar de plantio e de colheita do que se não esquece, tudo mais, por mais belo que possa ser, é uma passagem, é um desaparecimento. 

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